sábado, 14 de setembro de 2013

Hospede o bem

Foto: Jessica Ladewig
Já diz a sabedoria popular, a primeira vez a gente nunca esquece. E, claro, pois ou ela nos marca pelo prazer de sua novidade, ou pela frustação da inexperiência. Recentemente, eu tive mais uma emoção inesquecível que a trago para vocês, amigos leitores. 

Era uma 3ªfeira, noite agradável no Cassinão. Saí do futsal com a cabeça feita tanto pela boa atuação de meus companheiros, como pelo meu hat-trick. Quem joga bola, mas é grosso, vai entender o motivo da minha satisfação. Parei no posto para tomar um guaraná, suco de caju, goibada para sobremesa.

Eu jogo futebol sem óculos, e achei que tinha reconhecido um amigo meu, fui cumprimentá-lo e saber para onde iria viajar, pois estava acompanhado de um mochilão. Quando cheguei próximo, percebi que não era conhecido, mas como já havia iniciado o cumprimento, não fui grosso e continuei.

- Oh, cara, te cunfundi com um brother. Mas, aí, vai pegar uma estrada então?

Ele me olhou com cara de espanto

- No compreendo, com sotaque castelhano.

- Opa, Uruguay?
- No, Argentina.
- Legal, vai para onde?
- São Paulo.

E começamos um papo breve naquele clássico portunhol. Desejei boa sorte em sua trip e fui em busca de minha gelada. A porcaria é que a geladeira do posto sempre está na temperatura próxima das ALE, embora comercialize pilsen. De todo modo, peguei e saí para trocar ideia com uma outra galera que estava por lá também. Enquanto conversava percebi o hermano isolado, no canto do posto, sentado em cima de seu mochilão e ainda tirava umas cochiladas. Convidei-o para integrar ao grupo, vi que ele tinha um violão e um skate no seu pacote de viagem. Ele veio, e com seu violão acabamos a conversar no bobódromo.

- Tu estás a esperar por alguna persona? Perguntei.
- No, e disse-me que ia dormir ali mesmo, pois estava cansado de seu dia na estrada. Ele vinha de Rivera (URU), e desde Buenos Aires ele veio de boleia.

Poxa, quando ele me falou aquilo, meu coração bateu. Imediatamente lembrei de minha amiga, que conheci em Portugal. Ela integra um grupo mundial de voluntários de pousos. Você se cadastra, disponibilza um quarto de sua casa e estabelece quem pode ficar nele. Desse modo, quando um integrante do couchsurfing vai viajar, ele solicita o pouso àqueles voluntários residentes no destino do viajante e, claro, viaja com menos gastos, que, por consequência, viaja mais. Uma excelente alternativa ao capitalismo turístico. E, essa minha amiga linda também está num mochilão pela Europa. Acho que naquele dia ela estava na Croácia ou recém tinha chego a Itália. Ela tem me contado as histórias das pessoas boas que ela conheceu nessa viagem, toda aquela coisa do flowerpower, sabe? O mundo ideal é possível, o bem irá vencer. E virei pro hermano:

- Tu quieres pousar em mi casa? Puedes se bañar. Pero, la manhana amanhã, yo trabajo. Entón, tienes que salir comigo (assim mesmo, afinal, eu falo portunhol!).

E ele aceitou, claro.

Minha amiga a caminho de Berlin na boleia.
Mas, os loucos se encontram. Se já não bastasse eu e meu recém amigo Martín no bobódromo com cerveja e violão, vi um grupo que se aproximava e reconheci um andar estranho com um óculos fundo de garrafa que segurava uma maletinha. Quem é cassineiro sabe do personagem que falo.

- E aí, Charles, faz um som com o argentino aqui.

Nossa, mas nem criança quando vê um pirulito fica tão excitado quanto este gaiteiro quando ouve um barulho bom. E o privilégio foi todo meu, pois praticamente era o público único de um som agradável, já que o bando do Charles continuou sua caminhada e estacionou mais adiante. Uma das canções eu disponibilizei à rede e você pode assistir abaixo. Perceberá que mais um louco se juntou a formação, corroborando a outra sabedoria popular, os loucos se encontram!



 O som estava bom, mas eu tinha que dormir. Neste momento, umas gurias se integraram a nós e, claro, o hermano era o centro das atenções. Eu virei a ele e disse, Cara, se tu quiseres ficar acho que esta brasileira te dá mole, pode te ajudar no português, um intercâmbio aquela hora não ia mal. Mas, ele não quis trocar o certo pelo duvidoso num dia cansativo como aquele, preferiu o aconhego de um lar garantido. A parafrasear um dito, mais vale um banho quente na mão que duas línguas voando.

Enquanto caminhávamos a minha casa transferi a minha experiência litorânea. Disse que muito provavelmente conseguirá seguir tua viagem na boleia até Floripa. Dali em diante, muito provavelmente, ele terá que gastar com transporte. Sugeri Ilha do Mel, Cananeia, Ilha Comprida e depois um salto a São Sebastião, Ubatuba. Veja bem, adoro o litoral sul paulista, mas o cara era de Buenos Aires, sabia do que falava quando disse de violência. Peruíbe, Itanhaem, Monguaguá, Praia Grande, Santos, São Vicente são praias muito violentas, especialmente com seus turistas. E, claro, virei a ele e ordenei, Se tu chegar a Ubatuba, tu tienes que coñecer Parati. Será que ele irá lembrar dessas histórias?

Chegamos em casa, eu acho que ele tinha uns 3 dias sem banho. Fedia muito, que acendi um incenso para disfarçar a marofa em minha sala. O hermano ficou uma hora no baño. Como se estivesse a recuperar os banhos perdidos e se limpar por mais 3 dias, por garantia. Ainda trocamos umas ideias em casa, ainda tinha um vinhozinho aberto e pus um som para descontrair, numa relax, numa tranquila, numa boa.

No dia seguinte, parece que ele ouviu o meu despertador, pois quando sai do quarto ele já dobrava o saco de dormir. Tomamos café e perguntei de seus planos. Ofereci minha casa por mais alguns dias, inclusive sugeri de ele lavar algumas roupas na máquina. Mas, ele preferiu partir. E me deixou uma barraca, que achei que iria vir buscar depois. Confesso que não compreendi muito bem o que ele me disse quando me entregou a barraca. Não acredito que ele tenha me dado.

E a última lembrança que tenho de Martín foi um agradecimento budista e, em bom portunhol:

- Obrigado!

Fui para a FURG tão feliz na 4ª feira, como fazer o bem faz bem. Aquela sensação de escoteiro quando a boa ação do dia já foi cumprida. E, assim seja feito o bem! Ele nos traz tantos benefícios, que, poxa, como tem gente que faz o mal? Então fica aqui o meu registro e incentivo a oferecer o que você pode oferecer, sem olhar a quem. Sem almejar benefícios próprios, mas sim, coletivos. Amanhã pode ser eu, você, o Martín, a Jessica...

Por falar nisso, eu posso pousar na tua casa hoje? Prometo que tomo uma ducha rápida :)


 O que achou?

2 comentários:

  1. Haha! Tinhas me contado essa história, daí vim conferir no blog!
    Achei fascinante ;)
    e me identifico muito com a parte " O mundo ideal é possível, o bem irá vencer.", além de "Mas, os loucos se encontram"!

    Ah, não posso deixar de citar a parte mais engraçada, a tua "releitura" do jargão que resultou em: " mais vale um banho quente na mão que duas línguas voando. ", haha!

    Very good my friend! Very good!
    :)

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    1. Adoro tuas visitas, sabes disto!
      E, na próxima, traga um guaraná, suco de caju e goiabada para sobremesa!
      Beijos

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