segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

No dia em que saí de casa

A única recordação que tenho dos 3 cachorros no pátio de casa

No dia em que eu saí de casa
Minha mãe me disse:
Filho, vem cá!
Passou a mão em meus cabelos
Olhou em meus olhos
Começou falar
Por onde você for eu sigo
Com meu pensamento
Sempre onde estiver
Em minhas orações
Eu vou pedir a Deus
Que ilumine os passos seus
Eu sei que ela nunca compreendeu
Os meus motivos de sair de lá
Mas ela sabe que depois que cresce
O filho vira passarinho e quer voar
Eu bem queria continuar ali
Mas o destino quis me contrariar
E o olhar de minha mãe na porta
Eu deixei chorando a me abençoar
A minha mãe naquele dia
Me falou do mundo como ele é
Parece que ela conhecia
Cada pedra que eu iria por o pé
E sempre ao lado do meu pai
Da pequena cidade ela jamais saiu
Ela me disse assim:
Meu filho, vá com Deus
Que este mundo inteiro é seu
(No dia em que eu saí de casa de Joel Marques)

Acredito que muitos já devem ter conhecimento desta linda letra. -Sim, eu também gosto de música caipira! Se for bodão de viola então, vixi, até com farinha!

A letra emociona uma mãe qualquer ao assistir a ida do seu filho. Depois de tantos cuidados, tantas preocupações, de alimentar, educar, brincar, amar, o filho pega sua rédea e segue tua caminhada. Esta mãe da música é esperta. Sabia que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer, por mais que ela preferiria que isso não acontecesse, que o filho fosse seu, para sempre! Pois bem, este é um sentimento que tive esses dias. Embora, diferentemente da mãe esperta, não soubesse que isso um dia iria acontecer. 

Como alguns também já devem saber, dois de meus três cachorros estavam desaparecidos. E, desde já agradeço todos que ajudaram-me a reencontra-los. Compartilharam o cartaz, procuraram, realmente se preocuparam com eles e comigo. Muito obrigado mesmo.

O poder das redes sociais em nosso tempo é realmente fascinante. Ano passado, os políticos e sanguessugas do sistema político-econômico nacional tiveram essa sensação do poder que me refiro. Multidões, do Oiapoque ao Chuí, mobilizaram-se e ocuparam as ruas com cartazes e palavras de ordem contra a corrupção. Eu também provei deste poder ao publicar um cartaz do desaparecimento dos dogs.

Cartaz que publiquei no facebook
Um dia após, atendo o telefone.

- Alô, Renato?
- Sim!
- Renato, aqui é a fulana do petshop tal, minha cliente está com teus cachorros, fala com ela.

Assim que desliguei fui buscar os meus queridos companheiros.

E, ao chegar na casa, uma série de recomendações ouvi de como devo cuidar dos meus cachorros.

- Eles estavam em frente ao super. Com feridas, chamei para minha casa (mais ou menos um quilômetro dali). Eles estavam sujos, fedidos.
- Sim, eu não dou banho neles.
- Nossa, mas já fazem duas semanas que eles estão comigo. 
- Sim, eu deixei que um amigo meu cuidasse deles, fui viajar e eles devem ter sentido a minha ausência.
- Não, mas da próxima vez, você me avisa que eu vou cuidar deles. Não hesite! Não se deve deixar qualquer pessoa...
- Não, minha senhora, essa pessoa é de extrema confiança. Tenho certeza que eles apenas passeavam quando você os encontrou.
- Eles são muito carinhosos. 
- Obrigado.
- Quando você for passear com eles, faz isso, aquilo...
- Olha, muito obrigado por terem cuidado deles, posso recompensar vocês com um pacote de ração?
- Não, imagina! Só te peço que você faça o mesmo que nós fizemos.

Será mesmo que devo fazer isso? Ao remontar as peças, imagino que meus cachorros estavam no rolê deles, fedidos, como são, e com as orelhas machucadas por rasparem na tela que precisaram passar para fugirem. Ela "sequestrou"-os no 1º dia do "desaparecimento" e inferiu que estavam abandonados.

Pois bem, retornei a minha casa, agora com o lar completo! Só que não! No dia seguinte, recebo outro telefonema.

- Oi, Renato, recebi uma visitinha...
- Puts, sério? Ok, irei busca-los novamente no fim da noite.

Desliguei o telefone puto com eles. Mas, que porra de cachorros! Eu não voltei, cacete?

- Alô, Renato, eu acabei de colocar a fêmea para fora de casa, ela brigou com a outra cadela e feriu minha mãe quando foi tentar separar a confusão.
- Mas, a senhora abriu o portão para eles novamente? Por favor, ponha para fora o macho também. Eles devem saber que a casa deles não é essa!

E fui buscá-los pela segunda vez. Antes, reforcei o alambrado do muro pela fresta que eles saíam. Fechei até o chão, coloquei arames propositadamente para quando algum focinho passear por ali, se machucar e evitar a fuga.

Saí para uma festa e na mesma noite, quando voltei o macho não mais estava. Fui direto na cerca, e lá estava, toda arregaçada. No dia seguinte, desta vez a novidade foi pelo meio de contato: uma mensagem, que a reproduzo fielmente.

"oi renato desculpa estar te ligando , mais o pinguuim chegou aqui as quatro da manha e forçou meu portao até arrebentAr a tela e entrou , o coloquei pra fora de novo mais ela continua a tentar entrar"

Desisti deste cachorro. O que eu poderei fazer se a família que cuidou de meus cachorros na minha ausência ofereceram um mundo ao qual eu não posso dar?  Durante a natação fiz uma analogia grosseira com uma brincadeira popular: os pais educam, os avós estragam. Imagine uma criança cujos pais oferecem hábitos saudáveis, alimentação com verduras, legumes, frutas, brincadeiras ativas, horários de sono, etc. Viaja para a casa da avó e passa a ter alimentação com chocolates, sorvetes, brincadeiras passivas no computador, video-game até altas horas, etc. Imaginem a dificuldade dos pais quando a criança regressar ao lar oficial dela. É uma situação semelhante a que vivi. 

Não quero entrar no mérito da qualidade de meus cuidados com os da mulher que os pegou. Pode até ser que eu não sou o melhor criador para meus cães, especialmente quanto minha ausência, já que moro só. Mas, o mérito é da mudança dos hábitos. Como farei meus cachorros compreenderem que aquilo que eles viveram não é o que eu posso oferecer? Foram apenas umas férias e que a casa dele é a minha?

Que seja feliz! Disse a ela e rapidamente ela doou o meu, agora, ex-cachorro a um casal qua já havia demonstrado interesse em ficar apenas com o macho.


Dia seguinte foi a vez da fêmea sair a procura do irmão. O curioso foi o tom da mensagem que recebi. Num tom de obrigação buscar a fêmea vira-lata, que não posso abandoná-la. Abandonar? Os cachorros estavam na minha casa e eu abandonei? E decidi que também não iria atrás da cadela. Ela deve ser tão esperta para voltar como foi safada para sair de casa.

Uma história triste, sob a minha ótica. Mas, levo em conta a felicidade e a vontade dos cachorros. Então, é este o meu final com eles. Ou ao menos por enquanto.

Cartola já dizia, rir para não chorar.
O que achou?