sexta-feira, 22 de abril de 2016

Collor X Dilma

Graças aos meus pais, tenho orgulho em dizer que fui um cara pintada em 1992.
Recentemente tive uma discussão no facebook sobre o fato de a esquerda considerar o atual pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff um golpe enquanto que há duas décadas o mesmo processo não teve a mesma consideração. Foi uma discussão bacana com "ternura e amizade" entre os diferentes pontos de vista. Isto fez-me considerar de que seria de valia publicar a minha opinião em meu blog não apenas para ampliar a discussão, como também deixar registrada que é possível sim mantermos o nível em discussões nas redes sociais.

O ponto de partida de nossa discussão foram os discursos dos nossos representantes na câmara dos deputados no fatídico domingo, 17, de Abril de 2016. Este assunto já foi abordado por este blog e tu podes visualizar aqui. A minha amiga e também cunhada colocou que os discursos foram idênticos aos discursos no julgamento de Collor.

Copio aqui a minha resposta.


Infelizmente, os discursos dos parlamentares foram os mesmos, tem até um trecho da Escolinha do Professor Raimundo rolando por aí do Batista (o puxa saco do Raimundo) que dizia a mesma coisa (este vídeo está disponível acima em baixa qualidade de imagem). 

Existem cenários semelhantes e diferentes entre o Collor e a Dilma, em minha opinião. Ambos enfrentavam uma recessão econômica, embora o Collor ainda mais acentuada devido a inflação que beirava 1700% ao ano (hoje temos uma inflação em torno 7%) e o confisco das poupanças. E graças a este confisco, Collor ficou impopular (68% segundo o Datafolha), tal qual a Dilma é hoje (71% segundo o Datafolha). Entretanto, é importante ressaltar que a Dilma, diferentemente de Collor, contou com manifestações nas ruas pró-Dilma. Isto leva-me a crer, que o clamor popular pelo impeachment era quase que unânime com o Collor, o que já não acontece com a Dilma.


UNE, ANPG, UJS, CUT, APEOESP e muitos outros movimentos sociais mais uma vez foram as ruas, desta vez para serem contrários ao impeachment da Dilma Rousseff
Ambos também estavam sem apoio na câmara, embora novamente em contextos diferentes, por exemplo, Collor foi eleito pelo PRN, um partido considerado "nanico", e deixou os grandes PSDB (Covas), PT (Lula), PDT (Brizola), PMDB (Ulisses Guimarães), Roberto Freire (PCB), Maluf e Caiado (sei lá de qual partido eram) para fora. Só por isto, já era previsível que ele não teria uma base de apoio sólida no congresso. Hoje, a Dilma até pouco tempo atrás possuía a maioria na câmara, cenário que se alterou em dezembro último após a aprovação do processo disciplinar contra o Eduardo Cunha no conselho de ética. Para ser mais exato, exatamente no dia em que os 3 deputados do PT integrantes do conselho de ética anunciaram pela manhã que votariam a favor da cassação do parlamentar no conselho. Já a tarde, o Cunha acolheu o pedido de impeachment.

Em 1992, o carro envolvido no escândalo era um FIAT Elba pago por um cheque fantasma. Em 2015, na mesma Casa da Dinda foram apreendidos diversos carros de luxos, entre eles, um Lamborghini avaliado em R$ 3 milhões.
Mas o ponto que para mim é bem diferente entre os processos é a acusação. Collor foi entregue pelo seu irmão acusando-o de manter uma sociedade com PC Farias. Isto foi no início do de 1992, em maio. Foi aberta uma CPI em junho e as acusações de Pedro Collor ganhavam forças conforme as provas eram descobertas de que o Fernandinho estava envolvido em atos ilícitos. Em Julho/Agosto os caras pintadas foram às ruas e no fim de setembro a câmara aprovou o pedido de impeachment. Neste momento, Collor foi imediatamente afastado do cargo enquanto o senado apurava se havia crime de responsabilidade. Collor renunciou ao seu mandato para não perder os direitos políticos no fim de dezembro. P|ano falho uma vez que o congresso cassou seus direitos por 8 anos. Com Dilma, a coisa é diferente porque os crimes de responsabilidade são de natureza orçamentária e não de favorecimento pessoal, as famosas pedaladas fiscais (sempre ouvi dizer que pedaladas faziam bem à saúde hehe). E aí entra a discussão, porque não é unânime o fato de que as pedaladas fiscais são crimes. Eu não sou conhecedor de direito penal e entendo que apenas o STF tenha capacidade técnica de julgar isto (o congresso também deveria ter esta capacidade, mas é impossível acreditar que qualquer decisão lá seja por caratér técnico). Se for considerado crime de responsabilidade, o impeachment é legal e não há o que contestar.

Concluindo, eu acho que é sim diferente, Tati, e por isso eu classifico como golpe. Devido a condução deste processo, está claro que tratou-se de uma retaliação de Cunha ao PT, fazendo-me questionar se caso os 3 deputados declarassem votos contrários a abertura do processo disciplinar no conselho de ética, teríamos vivido o último domingo. E isto é uma pergunta que diante dos fatos não quer calar. Eu não acredito que esta faxina anti-corrupção deva começar pelo maior nível hierárquico de nosso regime republicano, a presidência da república. Simplesmente porque se tirarmos o topo da pirâmide, mas a base toda é corrupta (o que é o caso) é óbvio que o "novo" topo será corrupto. 

E para finalizar, eu não tenho esperanças de que iremos ver o país livre de tanta corrupção seja com Dilma, Temer, Aécio, Cunha, etc, enquanto não houver uma profunda reforma política.


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terça-feira, 19 de abril de 2016

Um pequeno convite à reflexão política atual

Sete meses se passaram desde minha última postagem. De lá para cá, muitas coisas mudaram. Eu já defendi meu doutorado, o meu clube foi campeão nacional e já até mudei de estado. Outras coisas continuam as mesmas, minha tia continua a preparar o melhor tutu de feijão, meus amigos de Sampa continuam na várzea e felizes e o Palmeiras continua sem mundial.

Cena do filme Ensaio sobre a Cegueira, inspirado no livro de Saramago.
O que mudou então para que despertasse em mim a vontade de escrever mais um post em meu blog? Várias coisas podem ser eleitas. Uma delas o fato de hoje ser mais um brasileiro nas estatísticas de desempregado. Vocês bem sabem que as palavras servem de consolo ao coração. Mas, este post não tem nada a ver com o estado do mercado de trabalho em oceanografia no Rio de Janeiro. Tem sim a ver com a política nacional.

Há dois dias, 17 de Abril de 2016, a comunidade brasileira, talvez pela primeira vez na história, assistiu, em pleno domingo, à uma sessão em direto do plenário da câmara dos deputados, presidida pelo exmo Sr. Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A sessão em questão votou a admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef para o senado federal. Um dia, para mim, triste da história brasileira. Um dia onde a "hipocrisia fez corruptos se tornarem arautos da moralidade pública" como discursou em seu voto o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). Diversos deputados réus em processos de corrupção, lavagem de dinheiro, percolato, etc votaram contra uma presidenta que não é investigada em nenhuma esfera judicial, portanto, corruptos julgando uma idônea.

O jornalista humorístico José Simão não à toa diz em seu blog que o Brasil é o país da piada pronta. Seria cômico se não fosse trágico. A deputada Raquel Muniz (PSD-MG) foi uma das mais entusiastas em votar e disse mais de 10 vezes "sim" para o impeachment da presidenta. Em seu discurso, a deputada disse que há solução para o país e citou o prefeito da cidade mineira Montes Claros, Ruy Muniz (PRB-MG), como exemplo de gestão. No dia seguinte, logo cedo, a polícia federal prendeu o exemplo por sabotar hospitais públicos da cidade para favorecer o hospital privado de sua família. Um detalhe, o prefeito era também o seu marido.

Quem acompanha-me de um tempo sabe que eu fico muito chateado quando o foco de toda a corrupção se concentra em uma pessoa, em um partido. Isto mostra o quanto o assunto é superficial em nosso país. Isto mostra o quanto possuímos revoltas seletivas. Para mim, todas as operações anti-corrupção serão superficiais se não discutirmos uma coisa, REFORMA POLÍTICA.

Para este post não ser longo, trago dois temas para mostrar o quanto este discurso de impeachment por si não garante um país menos corrupto. 1) sistema de eleição do legislativo (deputados federais, estaduais e distritais e vereadores) e 2) segundo é o financiamento privado de campanhas políticas.

Deputados e vereadores no Brasil elegem pelo sistema de proporcionalidade, ou seja, um cálculo bizarro que resulta em "puxadores" de votos. Nas últimas eleições (2014) os quatro deputados federais eleitos que lideraram a votação em SP e no RJ tiveram votos suficientes para levar outros oito candidatos. São eles: Celso Russomanno (PRB-SP), Tiririca (PR-SP), Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Clarissa Garotinho (PR-RJ).

Se dividirmos o número de eleitores pelo número de cadeiras que cada estado possui na câmara chegaremos ao "custo" que cada candidato teria que alcançar para ser eleito. Por exemplo em SP, são aproximadamente 21 milhões de votos válidos para 70 cadeiras, logo, para cada 300 mil votos um candidato é eleito. Mas, não é bem assim que a banda toca. Sozinho, Russomano teve 1,5 milhão de votos, o suficiente para eleger quatro candidatos do seu partido, já que não se coligou com nenhum outro partido. Graças a este sistema eleitoral, o deputado Fausto Pinato (PRB-SP) foi eleito com 22 mil votos, 7% do quociente necessário para eleger um deputado em SP.

Quem assistiu à transmissão da sessão do plenário no último domingo certamente se perguntou, como o Brasil elegeu uma pessoa dessas? Eis a resposta. Ele por si só não teve votos para ser eleito, mas a divisão do sistema eleitoral garantiu a sua posse. Lanço a pergunta que não quer calar, a quem interessa um deputado na câmara que não possui representatividade com sua base eleitoral, com a sua comunidade, com o setor que o sustentou para sua eleição? Se você pensou em Eduardo Cunha, pensou bem! Esses deputados que não foram eleitos pelas suas bases políticas, mas sim devido à super votação que outros candidatos tiveram. Logo, existe um conflito de interesse em questão e assim são mantidas as relações de poder no legislativo. Quando o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) chama o presidente da câmara de gângster, certamente está se referindo, entre diversas razões, ao controle que ele tem nos bastidores do congresso. É claro que não podemos generalizar que todos os deputados de "carona" são paus mandados, mas há uma enorme chance que seja. Para encerrar este assunto quero deixar aqui um dado surpreendente que precisamos refletir na sociedade brasileira: dos 513 deputados federais, apenas 36 foram eleitos com seus próprios votos. Será que há algo de errado neste sistema eleitoral de proporcionalidade?

O deputado Wladimir Costa (SD-PA) suspendeu sua fala e estourou um rojão de confetes no plenário. Ao seu lado o deputado Paulinho da Força (SD-SP) que fez uma infeliz parodia de Geraldo Vandré em seu discurso: “Dilma, vai embora que o Brasil não quer você. E leve o Lula junto e os vagabundos do PT”

Pois bem, o outro ponto que também precisamos debater para afastar (ou ao menos diminuir) a corrupção instaurada nas esferas públicas é o financiamento privado de campanha. Em 5 de Novembro de 2015, tivemos o maior acidente socioambiental da história do nosso país, que atingiu dezenas de munícipios capixabas e mineiros. O rompimento das barragens de Mariana (MG) poluiu o rio Doce e parte do mar no Norte do Espírito Santo. O impacto ambiental, social e econômico da lama de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP, ainda é imensurável (para contribuir com estes dados inestimáveis, a Marinha do Brasil acaba de decretar sigilo absoluto de 5 anos à pesquisa que realizou na Foz do rio Doce). Mas, por quê trombas d'água estou a escrever disto aqui?

Simples, a Vale, empresa privatizada no governo FHC e sócia majoritária da Samarco, doou mais de 48,9 milhões de reais nas eleições de 2014 apenas para partidos. Outros 39,3 milhões de reais foram doados diretamente as candidaturas individuais, perfazendo um total de 88 milhões de reais. Desta "caridade" destinada apenas aos partidos políticos, quase metade (23,5 milhões de reais) foram doados para o PMDB. Curiosamente, o PMDB é o partido que controla o setor de mineração do Brasil, indicando o ministro e a maioria dos chefes dos Departamentos Nacionais de Produção Mineral (DNPM). Ao menos até hoje, o ministério ainda é do PMDB, uma vez que Eduardo Braga não foi exonerado do cargo, embora garanta que entregou a carta de renúncia à presidenta. No ano passado, logo após o acidente, a Câmara dos Deputados reinstalou uma Comissão Especial para analisar e votar a toque de caixa, com o apoio do governo federal e sem participação social, um projeto de lei que altera - para pior - o Código da Mineração. Dos 37 deputados que já integram a Comissão, 17 tiveram doações de empresas ligadas à mineração. E esta você não vai acreditar, sabe qual foi o deputado que mais emendas apresentou a esta reformulação do código de mineração e quantas foram? O gângster! Ele mesmo, Eduardo Cunha com exatas 90 emendas. Muito à frente do segundo colocado, Bernardo Vasconcellos (PMDB-MG), que apresentou 24 emendas. Um terço das emendas foram apresentadas por deputados do PMDB.

A Vale foi uma das maiores empresas doadoras de campanha em 2014


Diante deste cenário visivelmente muito bem arquitetado, diante de tanta podridão, das cifras e da realidade brasileira, alguém ainda acha que a Samarco terá as punições que realmente deveria sofrer? É aceitável que o financiamento privado de campanhas não está entre os principais focos a ser combatido para eliminar a corrupção no nosso país? E para finalizar, há a mesma revolta popular a estas duas questões que levantei aqui tal qual existe para o impeachment da Dilma Roussef?

Despeço-me citando o último parágrafo de Clarissa Reis Oliveira que elaborou um dossiê intitulado  Quem é quem nas discussões do Novo Código da Mineração publicado em 2014 que você pode visualizar aqui.

Os resultados encontrados nessa pesquisa constataram, lamentavelmente, que quase todos os deputados titulares da Comissão Especial do Novo Código de Mineração tiveram suas campanhas apoiadas por empresas mineradoras, assim como os partidos com as principais representações na Câmara. O que esperar da votação do Novo Código da Mineração nesse perfil de Comissão Especial, e no atual Congresso Nacional? Fica evidente o compromisso desses parlamentares com as mineradoras, reforçado pela sua atitude anti-democrática de levar a votação o novo código sem um amplo debate com os trabalhadores e suas organizações e com as comunidades dos territórios que são ou serão atingidos pelos projetos de mineração. Clarissa Reis Oliveira


Jean Wyllys (PSOL-RJ) errou ao cuspir no Jair Bolsonaro (PP-RJ)?
O que achou?