quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Você está engajado na causa?


Caro(a) torcedor(a) organizado(a), responda rápido duas perguntas:

1) Já viu o vídeo acima? — seria boa ideia se conseguir visualizar um trecho antes de ler o texto;

2) Se uma torcida adversária qualquer estiver tomando borrachada da polícia —despreparada para conter multidões— , qual seria a tua reação?

Se passado alguns instantes, horas, dias ou até semanas e, mesmo se for o teu maior rival, você ainda responder algo próximo de: 
— Eu quero mais é que se explodam!
muito provavelmente, você não consegue compreender como isto está diretamente relacionado a você mesmo, torcedor(a) organizado(a). Ou seja, você deve pensar que isto não tem nada a ver com você e e que apenas será um problema seu se o tumulto for com a sua torcida. Certo? 
Errado! E é sobre isto que eu pretendo humildemente conversar, pode crer?


Figura 1 — Ultras de Portugal num problema mundial: Repressão policial. ACAB — 1312.

Solidariedade

Qualquer motoboy sabe que se ocorrer algum incidente com ele,  imediatamente motocas vão encostar para ajuda-lo. Neste momento, não interessa o modelo da moto, de qual quebrada é, a empresa que trampa, nada disso importa além de união ao companheiro de trabalho. Não apenas os motoboys, mas, de um modo geral, todas as categorias são solidárias a qualquer ato de desrespeito civil. Professores e estudantes defendem a educação, os movimentos sócio-culturais reivindicam por seus espaços, portadores de deficiência física pedem apenas acessibilidade, etc. E nós, torcedores(as) organizados(as), pelo o que lutamos? Por qual causa somos solidários?

Quando morei na cidade do Porto, em Portugal, eu tive muitos aprendizados com os "adeptos" organizados de lá ou ULTRAS, como são conhecidos na Europa. Não é questão da bancada ser melhor ou pior que aqui, mas há muitas diferenças. Uma delas é a solidariedade do movimento ultra. Logo no 2º jogo que fui na Curva Norte do estádio do Dragão, foram erguidas faixas que protestavam: 
Violência policial, problema nacional! C95
Estas faixas (ver figura 2) referiam-se ao jogo da rodada anterior do campeonato português onde os ultras do clube rival Vitória de Guimarães foram agredidos pela polícia em seu próprio estádio (Fig. 1). Se você pensou que a torcida do FC Porto é aliada/amiga dos vitorianos, engano o seu! Apenas um gesto solidário aos feridos e repúdio a ação da polícia.


Figura 2 — Ultras do FC Porto, Colectivo 1995, com as faixas exibidas durante FC Porto x Boavista após a repressão policial em Guimarães. Obs.: Caiu uma tempestade no estádio e neste dia quebrei o 1º mastro do bandeirão. Depois quebrei mais uns tantos... sorte que nunca chegou a conta :)

Com o tempo, percebi que há um movimento entre os ultras europeus em prol do futebol e suas tradições, contrário às organizações que se importam apenas com o lado financeiro do esporte. Penso que daí nasceu a expressão:
Against Modern Football
Diversos artigos, stickers, faixas, estandartes, bandeiras e tifos dos ultras de várias torcidas protestam contra o futebol moderno simultaneamente. É comum num derby ver em ambas as torcidas rivais artigos com dizeres do tipo: UEFA MAFIA.


Figura 3 - Tifo de ultras do Legia Varsóvia (Polônia) numa mensagem memorável à UEFA após o tapetão que desclassificou o clube da Champions League por um pequeno erro. Entenda: Aos 41 min do 2º tempo do jogo de volta, o Legia já vencia o Celtic, na Escócia, por 6x1 e fez uma substituição de um jogador suspenso. Diversos detalhes fizeram parte da coreografia, um porco ao centro num terno sujo de dinheiro sobre o escudo da UEFA segurando um papel escrito: 6 é menor do que 1. Abaixo uma faixa ironizando o slogan da UEFA: O futebol não importa. Dinheiro sim. Football com as cores do Legia e Money com as do Celtic. A UEFA multou o clube em 80 000 € por este tifo. FUCK U€FA!
Ao meu ver, unir a causa da "categoria" é um modo inteligente que os ultras afrontam o sistema capitalista instalado no futebol. As proporções são maiores que manifestações isoladas de torcidas. É um continente inteiro denunciando a máfia do futebol e a repressão policial. Torcidas de diversos clubes rivais e das mais variadas opiniões políticas cedem suas diferenças quando o assunto for de uma questão relativa a sua própria existência. Acompanhar o clube onde ele estiver e ter a liberdade de transformar o amor ao clube em momentos magistrais nos estádios são os desejos de qualquer torcida. No vídeo que abre este artigo, algumas das melhores atmosferas do cenário ultra do mundo (2015/16), de acordo com o site ultras-tifo.net, são exibidas. Nota: no tempo 03:04 do vídeo está o tifo "Acorda Dragão!", do Colectivo 95. Além do respeito total, tenho orgulho de ter feito parte da sua história nas caravanas e nos tifos da temporada 2014/15.

O alvo das mensagens ULTRAS é amplo e muitas vezes põe o dedo na própria ferida. Ou seja, eles fazem a auto-crítica a la Thug Life, com seus códigos de ética e conduta mesmo sem estarem escritos. Assim como o movimento Thug Life, liderado pelo Tupac, os ULTRAS possuem o intuito de diminuir as mortes banais na comunidade marginalizada pelo sistema. Sempre que algum enfrentamento de torcidas gera feridos com facas ou pistolas, a torcida que recorreu às armas é ridicularizada e tida como covarde entre os demais ultras. Ou seja, existe uma solidariedade entre os ULTRAS. E assim uma expressão genérica contra o futebol moderno também é utilizada: Against Modern Ultras.


Figura 4 — Saia do computador e venha sem armas. Na faixa diz, Contra os Ultras Modernos. Se não estiver errado, este pano foi feito pelos ultras Komiti Zapada, da Macedônia.


O bagulho está louco pros lado de lá também

O aumento de feridos e vítimas fatais devido às armas de fogo ou facas utilizadas nas lutas é uma realidade na Europa, assim como no Brasil também. Esta situação tem feito os ULTRAS promoverem espontaneamente a ética do movimento da maneira que melhor sabem fazer. Artigos, stickers, faixas, estandartes, bandeiras e tifos divulgam as "regras" ULTRAS. O estágio está tão avançado, que em fevereiro deste ano, lideranças ULTRAS da Bulgária assinaram um código de honra entre as maiores torcidas do país com 12 regras. Clique aqui para conhece-las (estão em inglês).

E aqui no Brasil?
Pau que bate em Chico, também bate em Francisco.

Figura 5 — O uruguaio Eduardo Galeano escreveu um livro obrigatório para qualquer torcedor, Futebol ao sol e à sombra.

Diante da última grande confusão ocorrida no Maracanã, em 23 de Outubro de 2016, podemos reescrever a sabedoria popular acima: 
Pau que bateu no corintiano, também bateu em flamenguista, que já bateu em mineiros, que bateu no lado A, B e até no C. 
Neste episódio, 31 corintianos foram detidos em flagrante convertido para prisão preventiva, um deles era menor, inclusive. Policiais que não estavam na confusão foram designados para reconhecerem os supostos envolvidos. Os critérios utilizados foram: gordo, barbudo e tatuado. 30 dias após foi apresentado à justiça o laudo da perícia da polícia civil que claramente demonstrou que a PM carioca cometeu um erro gravíssimo nas prisões.

Este parecer técnico concluiu que apenas 4, dos 31, estavam envolvidos no tumulto. Entretanto, apenas 4 inocentes deixaram a penitenciária, o menor foi um deles. Devido ao recesso judicial, os pedidos de habeas corpus serão julgados apenas em 2017, após o fim do recesso, 06 de Janeiro. Ou seja, há a possibilidade —e não é remota— de 27 corintianos passarem o natal e o revéillon dentro do Bangu 10. Estamos falando de pessoas que foram assistir ao jogo de futebol há quase 2 meses e desde então não voltaram para casa sendo que sequer julgados eles foram.

E você, torcedor(a) organizado(a)? O que você tem haver com isto?
— Muito!
Poderia ser com qualquer um de nós. As diferenças entre você e os detidos são, principalmente, clubísticas. Tudo aquilo que nos cerca é semelhante a todos aqueles que optam seguir esta caminhada. Ou seja, por trás das cores e hinos está a causa, e torcida organizada é o nome dela. Em momentos de injustiça como este, as vaidades precisam ser deixadas de lado. Se as lideranças das torcidas não assumirem as responsabilidades e colocarem as caras à tapa para uma mudança radical e urgente, nosso cenário só tende a piorar em caminho da extinção.

Figura 6 — Ou muda ou acaba!

Os fatos passados que nos assombram precisam ser deixados para trás. Nada fará mudar os atos do passado, portanto, passou. Aceite isto! Não podemos permitir que um ato histórico de união das baterias das to's paulistas (Fig. 6) transforme mais uma vez em hipocrisia. 
Vamos mudar?
Eu já mudei e você?

Figura 7 — Luto para que um dia as coreografias brasileiras sejam conhecidas mundialmente e não apenas os tumultos.


Veja também mais essas sugestões de vídeos para assistir no youtube sobre tudo aquilo que falamos aqui. O primeiro é mais longo por se tratar de um documentário nacional completo. brasileiro sobre a elitização dos estádios, 








segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Quem é o seu inimigo?

As torcidas organizadas dos quatro grandes de SP, além do E.C. XV de Novembro e E.C. Santo André, uniram-se num ato histórico em homenagem aos familiares e amigos das vítimas. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Domingo, 4 de dezembro de 2016, foi um dia histórico!

Não pelas manifestações "contra a corrupção", organizadas por grupos golpistas. Digo pelas torcidas organizadas que estiveram presentes na praça Charles Miller. Não haveria cenário melhor que o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, onde todas as torcidas paulistas já entraram pelo portão principal.

O velho Paca com seus longos 76 anos corre o risco de ser vendido na próxima gestão municipal Foto: Arquivo pessoal.
Paira sob a humanidade um mal criado e alimentado pelo único ser racional da Terra. Não raramente, o capital é posto acima do social e ambiental. E a história nos mostra que são estes momentos os embriões de tragédias, como em Mariana, MG. Infelizmente, uma dessas foi a de um avião tripulado por uma delegação que ambicionava uma vitória continental, e que voou tão alto que conquistou o mundo!

Nem mesmo o mais crédulo dos humanos acreditaria no que viu em Medellín. Mais de cinquenta mil pessoas, dentro e fora do estádio Atanasio Girardot, choraram as mortes de 71 pessoas, nenhuma colombiana. A grandeza do Club Atlético Nacional e de sua torcida tornou o verde da Associação Chapecoense de Futebol em eternos campeões.

Torre Eiffel, Estádio de Welbley, Cristo Redentor e Allianz Arena foram alguns dos monumentos ao redor do mundo que prestaram suas homenagens à Chapecoense. Foto: Reprodução.
No mundo inteiro, muitas foram as homenagens às vítimas desta fatalidade. A #ForçaChape ecoou nos quatro cantos e diversos estádios cantaram Vamos Vamos Chapê! Entretanto, um desses cânticos não era aguardado por um sistema paulista, colegiado — com a conivência dos clubes — entre Federação Paulista de Futebol, Governo Estadual, Assembleia Legislativa e Ministério Público Estadual. O ato ocorrido neste domingo (04/12/2016) serviu como uma rasteira neste sistema podre que só retira a essência do futebol.

Retiraram dos paulistas: bandeiras, pirotecnia, instrumentos musicais, balões, faixas, roupas, cerveja, papel picado, a barraca do sanduíche de pernil, torcida visitante... praticamente retiraram a mística e a tradição do futebol. Com os preços impopulares e a complexidade para a aquisição dos ingressos (cartão da FPF, cartão sócio-torcedor), até o torcedor de uma certa forma é retirado dos jogos. Como bem disse Arnaldo Ribeiro, no programa Linha de Passe, da ESPN Brasil, São Paulo é o túmulo do futebol brasileiro. Desde de 1995, o torcedor paulista assiste calado à morte lenta e dolorosa do futebol justificada no combate à violência nos estádios. Mais de 20 anos passaram-se e as soluções são sempre as mesmas: privar as torcidas daquilo que sabem e amam fazer: festas nas arquibancadas em prol de seus clubes. Sempre que há a oportunidade, surgem as figuras públicas oportunistas com suas varinhas mágicas contendo as soluções que não passam de ideias pífias que envenenam o futebol paulista. Ao torcedor restou aceitar as diversas punições de Eduardo José Farah, passando pelo tio da merenda Fernando Capez até o ministro da bala Alexandre de Moraes.

Entretanto, ironicamente, foi na morte que o futebol paulista respirou. É como se a hinchada do Atletico Nacional ressuscitasse não apenas os jogadores, comissão técnica, dirigentes, jornalistas e demais tripulantes, mas o futebol em si, na sua essência, na alegria. Como se ele quisesse dizer, Estou vivo. O futebol vive!

No Instagram, o movimento foi comemorado por jogadores como o Renato Augusto e Elias. Foto: Reprodução.
A mensagem passada neste ato na praça Charles Miller foi clara: As torcidas não são marionetes do sistema! 

O futebol não quer mais este câncer que se retro-alimenta na máxima: matem-se uns aos outros. Pelo contrário, mostraram que "é possível ter uma união mantendo a rivalidade. Queremos que a felicidade volte ao futebol. Contra o futebol moderno e a favor do povão", disse em entrevista ao Esporte Interativo o corintiano Chico Malfitani, fundador da Gaviões da Fiel, presente no ato.

Alguns amigos classificam o movimento como demagogo e criticam que este pacto de PAZ durou apenas aquelas horas e que na primeira oportunidade lá estarão eles mesmos prontos para matarem-se novamente. Eles podem ter razão, aliás, a história sustenta a teoria deles. Mas o verde da Chapecoense também é o verde da esperança. Esperança de que este gesto de PAZ seja contagioso. Esperança de que todos os torcedores enxerguem que o verdadeiro inimigo deles não são os rivais, mas sim, o sistema. E que juntos as torcidas são mais fortes para renascer a alegria nos estádios paulistas.

Por isso a pergunta ao torcedor: Quem é o seu inimigo?

Aquele que veste as cores diferentes das tuas ou o sistema que mata mais do que ninguém? Segundo dados da SSP, em 2015, 798 pessoas foram mortas no Estado e outros 711 foram feridos pelas polícias civil e militar.

É hora de TODOS lutarem pela festa na arquibancada. E há exemplos em SP de torcidas que fazem da PAZ uma prática diária. Eu sou sócio de uma delas, Estopim da Fiel, desde 1979 praticando a PAZ.
As lideranças tem papel fundamental no retorno da festa aos estádios paulistas, mas também é preciso cada um fazer a sua parte. Torcedor leve a PAZ e o teu amor ao clube para os estádios, o resto é pra tirar onda. Foto: Reprodução.
#ForçaChape