quarta-feira, 20 de maio de 2015

Era uma vez... um santo.

Todos temos histórias clássicas que nunca cansamos de contar/ouvir. Sempre divertimo-nos enquanto narramos ou ouvimos esses causos. A exceção pode ser do personagem central que por vezes pode não gostar do fato ter caído à boca do povo. O curioso são as proporções que elas podem alcançar. Vira e mexe meus amigos divertem-se com uma na qual sou personagem. Solicitei ao propagador desta lenda (sentido figurado), um querido amigo palestrino, que transformasse sua voz em texto e reproduzo aqui. Divertes-te!

Definição de lenda pelo dicionário online priberam
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A culpa é de São Jorge
por Gustavo De Vita

Lá pelas tantas voltava eu de um legítimo churrasco gaúcho, deliciosamente empanturrado, feliz e em território completamente neutro. Uma suposta alegria me contagiava. A sensação não era puramente alegria. O futebol, com seus altos e baixos, finalmente me presenteava. Nossa, como somos perturbados, apesar de tão distante, nos sentimos realmente parte do nosso clube do coração! Logo entendi, a sensação, na verdade, era um alívio como o de dever cumprido...

No mágico Cassino, balneário com a maior e mais austral praia do Brasil, estudantes de todos os cantos e desencantos do Brasil, formavam uma grande família. Palmeirenses e Corinthianos, Gremistas e Colorados, Remistas e Paysanduístas. É possível que o fato de estarmos a milhares de quilômetros das sedes e próximos de uma das maiores rivalidades esportivas do mundo, nos tornava ainda mais motivados a defender com vigor as cores das nossas agremiações.

A rivalidade extra Paulicéia intensificava, mas cultivávamos um certo carinho e respeito pelos oponentes, entre os meus principais, Baila e RenatÃo. E aqui a estória merece um parênteses. A escrita do seu nome não foi um erro de digitação, é proposital. Iniciando sua carreira acadêmica, num congresso internacional, seu nome no crachá foi digitado no aumentativo e com o "a" maiúsculo, erro que não poderia combinar tão bem com a sua personalidade irreverente. Ele não deu a menor bola, apresentou seu trabalho com maestria para uma plateia sedenta por tropeços. Passamos o resto da semana comemorando nos bares da cidade de Bento Gonçalves, entornando vinhos, cachaças e cervejas, em debates intermináveis e sem tirar o crachá. RenatÃo era um sujeito bonachão, paulistano da gema, enraizado no Jabaquara, corinthiano fanático, com um coração do tamanho do seu cabelo black power e um carisma que conquistava todas as torcidas.

...Enquanto eu chutava as pedras da avenida principal do Cassino e seguia para finalizar um domingo tranquilo e feliz, refletia sobre aquele empate do Grêmio que tão satisfeito tinha me deixado. Ao mesmo tempo, palmeirense doente, pensava nos meus rivais: "já passei por isso, vai devagar, respeita porque a dor é grande, futebol é traiçoeiro, etc, etc, etc!". Prometi a mim mesmo não importunar nenhum oponente...

A avenida estava vazia, a missa tinha acabado fazia um tempo, o carvão já havia se apagado e todos já estavam se preparando pros gols da rodada. Foi quando avistei a cerca de 500 metros de mim, do outro lado da avenida, um sujeito com passos duros, cabeça baixa e segurando alguma coisa grande e pesada. Ao me aproximar um pouco mais o reconheci; era o RenatÃo com seu amuleto, a estátua de São Jorge, que possivelmente o acompanhava durante muitos anos. Ele olhou pra mim e pude ler seu pensamento: "puta que o pariu, tem que encontrar justo esse filho da puta agora". Senti estampar no meu rosto um sorrisinho cínico a lá Monalisa e quebrei a promessa com a mesma velocidade que volto a tomar cerveja na quaresma: - Ow RenatÃo, vai pra onde com esse santo? Com uma voz grave, seca, meio infantil e embargada, sem conseguir segurar, ele desabafa: - Ah, vou jogar esse traidor no mar! Nunca mais!. E segue cabisbaixo, vociferando com o seu santo em direção à praia escura e protegida por uma imagem de Iemanjá, como se, com o santo, lançasse ao mar todas as suas recentes amarguras.

Relatei por muitos e muitos churrascos essa cena tragicômica que se tornou histórica nas mesas redondas futebolísticas do Cassinão.

O dia era 1º de dezembro, o ano 2007, a queda do Corinthians para a segunda divisão do campeonato brasileiro.

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E então? Gostastes? Essa estória é 100% verídica, embora mereça algumas observações.

Santo quebrado dá azar!

Próxima à casa da minha mãe, em SP, havia uma casa de umbanda. Eu adorava entrar lá e olhar os santos e sempre fascinava-me o São Jorge. Era uma imagem linda e também cara. Mas, em uma de minhas visitas à coroa resolvi arcar com esta despesa. Para transportar o santo padroeiro do Corinthians para o Rio Grande do Sul, coloquei atrás do banco do motorista no carro que herdei do meu pai. Em alguma freada brusca ouvi um estalo que na hora percebi o ocorrido. Quando desembarquei no Rio Grande, confirmou-se o fato. A cabeça havia partido.

Eu achei aquilo nada justo. Poxa! Antes de ir a São Paulo eu já possuía até um santuário e não acreditava que a imagem sequer iria descansar em seu destino. Imediatamente tratei de ignorar a sabedoria popular e pensei, essa estória de santo quebrado é uma lenda. Liguei para minha mãe e ela confirmou, dá azar sim! Mas, mesmo assim, resolvi colar a cabeça do santo e de tão perfeita a reconstituição ninguém repararia, ainda mais num santuário disposto acima da porta do meu quarto. Lá a imagem repousou por alguns meses.

Em 23 de Abril de 2008, durante uma procissão na sede do Corinthians, o São Jorge partiu e quando perguntaram à Marlene Matheus se aquilo era um mau indício ela respondeu: "Nada disso! Foi um sinal positivo. O São Jorge se libertou de 14 anos de podridão no clube. Estamos em uma nova fase" em alusão a renúncia de Alberto Dualib no ano anterior. O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,estatua-de-sao-jorge-quebra-durante-procissao-no-corinthians,161618O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compa

Após um empate com o Goiás, estava agoniado e frustrado! Era aquele momento que olhamos para os objetos, mas o cérebro sequer processa as informações. Até o meu olhar descansar no São Jorge. Imediatamente pensei, É o Santo! Será que o Corinthians está nesta urucubaca por causa disso? Irracionalmente, coloquei a culpa não no São Jorge, claro, mas no fato dele estar quebrado! Este Santo dá azar! E sem pestanejar, levei o São Jorge para o mar para lá ficar toda a zica que vivia o meu clube. Portanto, percebas duas coisas: eu não culpei o Santo em si, mas sim o fato de estar quebrado. E, que este gesto foi uma tentativa de salvar o titanic.

O leitor atento já deve ter reparado num equívoco do Gusta em relação a data. O dia não era 1º de dezembro, até porquê não houve rodada da série A nesta data. Nem tão pouco fora na data do rebaixamento, 02/12. O dia que desfiz de meu santo foi no dia 11 de Novembro de 2007, após um empate no serra dourada para um adversário direto ao descenso, o Goiás. Portanto, embora ainda faltavam duas rodadas para o término do campeonato, é compreensível a satisfação do rival. O Corinthians dava passos largos para repetir o destino do navio mais famoso do mundo.

O que achou?