terça-feira, 30 de abril de 2013

Onde a Esperança se Refugiou

Militares em 1968 prendendo um estudante durante manifestação.

Sempre que entro em uma exposição artística, penduro todos os preconceitos na porta de modo a permitir captar o sentimento que os organizadores da mostra almejam transmitir. Evidentemente, que o nome da mostra informa o contexto, mas não fornece os detalhes da abordagem que exploraram. Nesta linha de raciocínio, é muito emocionante quando a mostra tem o poder te transportar para um período histórico. É quando os sentidos são estimulados por todos os lados e embarcamos naquela viagem como personagem daquela arte.

Ver a alegria, cheirar a tristeza, tatear a decepção, ouvir o amor e degustar a gratidão. Foi exatamente o que me ocorreu no sábado último na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre com a mostra Onde a Esperança se Refugiou chancelado pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos. A mostra fica até 05 de maio naquele querido espaço na florida Porto Alegre. Está disposta em cinco eixos temáticos estrategicamente dispostos para retratar os regimes ditadoriais da América Latina, evidentemente com ênfase na nossa.

De cara, os ambulantes se situam. Um belo painel com imagens marcantes do contexto político mundial; Bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, réplicas de cartazes dos recrutamentos militares, tanto dos capitalistas, com o famoso cartaz do Tio Sam, comos dos soviéticos e chineses, a corrida espacial, guerra do Vietnam, Ernesto Guevara e a geração hippie compõem esta entrada para o prato principal. Com um zoom no mapa mundi, somos transportados para um ambiente negro e pequeno para retratar o golpe militar no Brasil, em 1964. A deposição de Jango, discurso em plenário do deputado para que a população boicote o desfile de 7 de setembro e também o alistamento militar, a instituição do AI-5 e as ações repressivas dos militares que tentaram silenciar ou mesmo eliminar os opositores do regime. O terror contagia, em um momento são anunciados, através do sistema de som ambiente, os nomes, as idades, os locais e os anos do desaparecimento, ao mesmo tempo que assistimos aos rostos de cada um das 366 vítimas brasileiras da Operação Condor. Espelhos são espalhados por este ambiente, para que você possa sentir a experiência de morrer por uma luta. Uma luta covarde, que invade universidades na calada da noite e mira o canhão de um tanque de guerra para milhares de brasileiros.

Como eu pude ter tanta ingratidão até aquele momento? Estudantes, escritores, artistas, trabalhadores, enfim, brasileiros pensantes que lutaram neste período, muito obrigado por este tempo presente que vivo, pelo futuro que virá, que ao tudo dirá, menos que imperfeito. Vocês morreram, não por vocês, mas para gerações futuras. Vocês não se enquadram na Lei de Darwin! Não eram vocês que eram fortes para sobreviverem, mas sim seus ideais foram bem sucedido evolutivamente. E, graças a vocês, hoje temos a liberdade. Obrigado, papai. Obrigado, Herzog. Obrigado, pianista. Obrigado, anônimos!

“Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também direito de nos considerarmos seres humanos civilizados” Vladimir Herzog

Seria cômico, se não fosse trágico! Assim é o ambiente seguinte, que guarda uma surpresa a todos, sem exceção, via estímulo sensorial do tato. E mais curioso ainda, é que vem do chão. “Pedrinhas brancas”, foi o que disse uma garotinha ao levar o mesmo susto que eu, assim que pisou num nível inferior ao da entrada contendo pequenos fragmentos de rochas leucocráticas (não quero perder pontos com nenhuma profissional da área geológica que, por ventura, seja minha leitora). Literalmente, a criança e eu caímos nesse novo chão, que assim como a iluminação, é claro. Como a esperança, como a luz da transição entre a ditadura e a democracia na América Latina. “1, 2, 3. 4, 5, mil, queremos eleger o presidente do Brasil.” e “o povo unido, jamais será vencido” ecoam nos falantes. Charges, cartuns e imagens da época permitem o emprego da primeira oração neste parágrafo.

Sócrates, Vladimir e Casagrande, jogadores do Corinthians, ao lado de Rita Lee em comício contra a ditadura militar, movimento conhecido como Democracia Corinthiana. 

Por fim, descobri que o Brasil, ao lado do Uruguay, foi o segundo país na América Latina a encerrar o regime ditatorial, em 1985. Apenas a Argentina encerrou antes, 1983, ano que nasci. Paraguay e Chile ainda perderam mais quatro e cinco anos, respectivamente, de suas histórias. Entretanto, o Brasil foi o último país a criar uma comissão da verdade, em 2012. Quis o destino, por uma vítima da ditadura. Ainda temos muito a espanar nos arquivos secretos para que as verdades apareçam. Uma delas vem a tona, os discursos de José Maria Marin, atual presidente da CBF e do comitê organizador local da Copa 2014, que claramente incitam a violência contra opositores da ditadura. Inclusive, dias antes da morte de Vladimir Herzog, Marin havia subido à tribuna para pedir providências do Estado contra a TV Cultura, “a fim de que a tranquilidade volte a reinar não só nessa casa, mas principalmente nos lares paulistanos”

“Queremos prestar nossos melhores cumprimentos a um homem que, de há muito, vem prestando relevantes serviços à coletividade, embora nem sempre tenha sido feita justiça ao trabalho (…) Queremos trazer nossos cumprimentos e dizer do nosso orgulho em contar na polícia de São Paulo com o delegado Sérgio Paranhos Fleury” José Maria Marín em discurso na assembleia de SP em 07 de outubro de 1976

Fica a minha dica a esta maravilhosa viagem, para Onde a Esperança se Refugiou. Não se esqueça: até 05 de Maio, diariamente, de 2ª a 6ªf das 14h às 19h e aos sábados, domingos e feriados ,das 10h às 19h. Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, RS, com entrada franca.

Obrigado, também, Porto Alegre!

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segunda-feira, 8 de abril de 2013

Um simples cabelo

O peruano Guerrero após marcar o gol da vitória do Corinthians em cima do Chelsea, em Yokohama, 16/12/2012.


Incrível como um simples corte de cabelo me propiciou uma oportunidade de reflexão social. Para quem não sabe, desde do dia 16 de dezembro de 2012, fiz um corte de cabelo inusitado por culpa de uma promessa que havia feito. Passaram-se os dias e eu gostei muito do meu corte, da lembrança da homenagem que decidi prestar e, até o presente, possuo a mesma aparência.

Uma das coisas que me fez gostar de meu cabelo foi a originalidade deste. Todas as pessoas me faziam ser único, pois até o momento não recebi nenhum elogio dele. Ao contrário, muitas críticas e gozações. O que de certa forma também corrobora para a manutenção. Adoro piadas e gozações e meu cabelo me proporcionava este prazer também, pois o riso é contagioso. Então eu ria de mim mesmo.

Mas, a reflexão social e cultural originada em meu corte iniciou quando as pessoas não ficam apenas na piada. De um modo geral, muitas pessoas não aceitam o meu corte e querem que eu renuncie a ele. E aí eu existo, digo, penso, questiono, como um simples cabelo causa mal estar nas pessoas?

Somos bombardeado constantemente em diversos meios e formas de "certos" e "errados" para nossos gostos e costumes. Roupa "X" na entrevista de emprego, CERTO; Ouvir música "Y", ERRADO, Comer "Z" num país com cultura diferente da ocidental, ERRADO, e por aí vai. Mas, e a autenticidade e o bem estar individual? Não é permitido fazer o que você quer, mas sim o que os outros querem que você faça. Pouco deve importar a tua opinião a cerca do meu cabelo, se é bonito ou feio, desde que eu me sinta bem e feliz. Uma pessoa não pode ser valorizada pelo que ela tem, mas sim pelo que ela é.

Mas, infelizmente não é assim que rege a nota na sociedade moderna(?). Nesses quase 4 meses que possuo o cabelo, várias vezes já pensei em corta-lo para não "agredir" a sociedade, na verdade, me render. Uma sociedade que não aceita as diferenças, não permite trocas. O discurso está pronto quando duas torcidas se duelam, quando a faixa de Gaza é bombardeada, quando as Coréias não se bicam, mas pôr o discurso em prática é difícil em um simples cabelo.

"É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática." Paulo Freire

Não, você não pode ter este cabelo! Você não vai conseguir ter relacionamentos, você não vai ter empregos, você não vai ter estudo, você não será feliz, mas se você corta-lo amanhã, o mundo se abrirá e você será feliz para sempre, até que a morte os separe. Aproveite e vista esta roupa, que você sairá bem na balada, compre este carro, que você terá o mundo diante de seu volante, fume este cigarro, que você sentirá a liberdade. É mole?

Fazemos parte de uma sociedade extremamente moralista que adquire fácil um rótulo e que cheira a hipocrisia. Tudo isto pode ser compreendido num simples cabelo, corte para ver.

Para minha felicidade, basta eu visualizar meu cabelo no espelho. Isto basta!