sábado, 14 de fevereiro de 2015

Divirta-se, mas mantenha o respeito!

Ilustração de Pri Ferrari

Em meados dos anos 70, Belchior confessou uma frustração pessoal, e talvez de toda aquela geração, em uma composição eternizada pela voz de Elis Regina. Se um rapaz latino americano compusesse esta canção ainda hoje, caberia. Talvez por isso, a filha da Pimentinha também interpreta este grande sucesso. Sentireis dor, filhos da atual geração, em perceber que ainda sois os mesmos e viveis como os vossos pais? Só o tempo trará esta resposta. Imagino, que a resposta era sim na época da autoria de "nossos pais".


Não quero fazer comparativos, principalmente por não estar apto a fazê-los, mas, percebo que inverteram tanto o leme com a marcha atrás que do oito foi-se ao 80. Penso que com as ditaduras militares estabelecidas pela América do Sul, a palavra de ordem era a liberdade. Hoje, em busca de uma liberdade, proíbem.

É uma partida de futebol que não pode ter torcedor visitante, é um condomínio residencial que não pode ter aves a pousar em suas árvores. É o show de funk que não pode tocar na cidade. O paulistano que não pode tomar mais de um banho. A publicidade de cerveja que não pode conter mulheres seminuas. Certamente, tu conheces um não recente imposto por uma lei, por uma ordem do ministério público ou mesmo pela boca do povo.

"O mundo está chato pra cacete!"

Não lembro qual foi a 1ª vez que a ouvi. Mas, o fato é que nos últimos tempos esta oração é tão verdadeira para definir o tal do "politicamente correto" que adotei como minha. Uma prova do que acabo de dizer, é o cuidado que minha mente involuntariamente busca para escrever o que penso e também o tempo que levei para ter a coragem de publicar isto. Sim, coragem!

Portanto, segue alguns avisos aos militantes diversos. Antes de iniciarem o julgamento (em muitos casos pode-se ler também linchamento dos haters de plantão), gostaria de deixar claro que este post não contém ideias homofóbicas, racistas, machistas e qualquer outro "istas" ou "fóbicas" que estão na moda. Eu não sou assim, logo, este post não pode ter esta intenção.

O gatilho que tive foi um artigo que li no início de Janeiro deste ano (eu disse da coragem, né?). O título era: 10 coisas que você deve parar de dizer (Podes acede-lo aqui). Uma espécie de manual para uma civilização livre de preconceitos. Porra, será que é por aí o caminho? Será que por trás de todos eles, não está também uma proibição de entreter-se! Sim, porque até os gordos, pobres, cabelos pixains tiram sarro deles mesmos ao invocar muitas das expressões da cartilha. A Pri Ferrari disse na rádio gaúcha (veja abaixo) que eu não posso falar pela dor das vítimas. Tem total razão. Mas, o ponto é a partir de que momento há uma vítima? Tentarei explicar-me.


Quando ouço: "Bar, o psicólogo da favela" dentro de um bar na favela, a intenção da frase é enaltecer aquele ambiente. Quem viveu a favela, sente orgulho em ser da favela. Edi Rock diz em um rap, O dinheiro tira o homem da miséria, mas não pode arrancar de dentro dele a favela. E é isso! Somente isto, não há intenção alguma de desprezo, desrespeito, logo não há vítima. Entretanto, pela tal cartilha citada... É PROIBIDO!

Em contra partida, a cartilha "permite" que usemos as palavras branco ou rico, por exemplo. A frase, "isto é coisa de branco" pode ter mais conteúdo racista que "poder para o povo preto". Ou, "esses ricos acham que podem tudo" contém mais ódio que "nóis é pobre, mas é feliz". No fundo, o que falta à cartilha é amor e respeito às diferenças. E, estimados, como sabemos por nada saber, o amor não possui cartilha. Apenas pede-se para vive-lo intensamente e livre de medos.

Não existe um caminho para a paz. A paz é o caminho. (Mahatma Ghandi)

Outro dia fui abrir a porta para uma amiga e ela, Não precisava, eu conseguia! Ok, eu sei que consegues abrir, até crianças abrem, mas posso fazer a gentileza? Pensas que sou sexo frágil? Foi mais ou menos algo deste tipo o diálogo que tivemos dentro do carro. Aquilo ficou em minha mente, que ainda hoje, quando lembro desta história, pergunto primeiro, posso abrir a porta para si? Algumas pessoas já disseram-me, Isto não é gentileza. Se fosse, farias a um homem. Alguns familiares e amigos podem responder por mim.

Alguns dias depois, li a segunda cartilha para a sociedade feliz. Nela estavam listadas 13 expressões que uma "militante feminista interseccional" diz que devemos parar de usar para abolir de vez o racismo (Podes visualiza-la aqui). “A coisa tá preta”, “Mercado negro”, “Denegrir”, “Da cor do pecado”, “Morena”, “Mulata”, “Cabelo ruim”, “Cabelo de Bombril”, “Cabelo duro” estão entre os exemplos. Independente de teu gosto artístico, certamente conhecerás textos que fazem uso destas expressões em contextos lindíssimos que a pretensão em ser racista passa longe. Paralamas do Sucesso, Sandra de Sá, O Rappa, Bicho de Pé, Chico Buarque, Planet Hemp foram alguns que saltaram numa rápida busca mental. Uma dúvida, eu posso dizer que o fundo do poço é escuro?

"Meu caro amigo eu não pretendo provocar... Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta" (Francis Hime - Chico Buarque/1976)

Estas "leis proibitivas" não são a solução, mas sim uma prática superficial e barata, de rápido prazo e comprovadamente com efeitos positivos na opinião pública. Meu avó ensinou-me que um bom lavrador tira a erva pela raiz. Por isso, seu trabalho leva mais tempo e é justo pagar-lhe mais. Uma prova desta superficialidade veio esta semana com o episódio da publicidade de cerveja em período de Carnaval.

Publicidade da cerveja Skol com a intervenção inteligente.
Clique na imagem para ampliar o post que fez a Ambev reconhecer o seu erro.

Proíbem o uso de mulheres seminuas, mas esta campanha foi feita! Percebem o lote mal carpinado? A reprovação popular do uso de mulheres como um objeto de consumo fez com que as agências publicitárias fugissem desta linha como se isto bastasse para mudar a mentalidade de uma geração. Entretanto, sem esforço em educar e instigar que uma comunidade perceba o que está de grave por trás das proibições, neste caso o machismo, nada mudará. Parece até que soa como um desafio. Não podemos mulheres, que tal esta frase? Logo vem outra estratégia de marketing feita por um homem, que assim como o David Coimbra, achará "engraçado". Proibir não é educar! Pode fazer parte do processo, mas por si, não basta.

Imediatamente após retirar a campanha, a Skol lançou esta.

Por outro lado, há militâncias e militâncias. Há aquelas que atuam inteligente e silenciosamente porém com efeitos estrondosos. Ao perceberem a publicidade da cerveja Skol, a Pri Ferrari convidou sua amiga de trabalho Mila Alves no almoço para intervir nesta mensagem. Sem intenção de promoção pessoal, essas militantes postaram seu protesto num grupo fechado de feministas, que viralizou nas redes. Estas mulheres conseguiram espontânea e pacificamente retirar de veiculação a campanha num reconhecimento da direção da Ambev do erro grave que cometeram. Pri e Mila, em momento algum, proibiu ou manifestou ódio. Pelo contrário, foram educadas, conscientes e, diria até, amorosas com os "amigos publicitários, vocês precisam ter mais noção e respeito."

Mais que isso, o que essas mulheres conseguiram foi trazer a pauta feminista ao público por diversos meios de comunicação. Tive a oportunidade de ouvir o programa Timeline da rádio gaúcha (podes ouvir aqui) e escutar a espetacular posição da Pri Ferrari. E, emocionei no discurso da apresentadora Kelly Matos. Mulheres, sem machismo, meu chapéu foi tirado para vocês quando levantei para as aplaudir.

Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos. Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais. (Belchior/1976)

Eu realmente quero ouvir a tua opinião! Como disse ao lado, prefiro ser essa metamorfose beleza e um maluco ambulante. O que achou?

P.S.:Em tempo, a Pri Ferrari possui um site bacana com ilustrações da Cafeína, a personagem da imagem que abre este post. Lá ela também "trabalha com conteúdos um pouco mais densos nos assuntos: comida, decoração e animais". O endereço é sugestivo e ilustra uma característica da Pri Ferrari www.cadeomeucafe.com. Ela só não esqueceu de trazer o NUNCA!

P.S.2: Também te amo!