quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Mude

Em 2003, talvez o período mais fértil do poeta que existe em mim, tomei conhecimento de um poema chamado Mude. Acho que muitos dos visitantes deste blog também conhecem. Mirem!


Mude (Edson Marques)

Mude, mas comece devagar,
porque a direção é mais importante que a
velocidade.

Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho, ande por outras ruas,
calmamente, observando com
atenção os lugares por onde você passa.

Tome outros ônibus.

Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os seus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia,
ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.

Veja o mundo de outras perspectivas.

Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama...
Depois, procure dormir em outras camas
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais... leia outros livros.

Viva outros romances.

Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.

Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.

Corrija a postura.

Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores, novas delícias.

Tente o novo todo dia.
O novo lado, o novo método, o novo sabor,
o novo jeito, o novo prazer, o novo amor.

A nova vida.

Tente.

Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.

Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida,
compre pão em outra padaria.

Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.

Escolha outro mercado... outra marca de sabonete,
outro creme dental...
Tome banho em novos horários.

Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.

Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.

Troque de bolsa, de carteira, de malas,
troque de carro, compre novos
óculos, escreva outras poesias.

Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.

Abra conta em outro banco.

Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros,
outros teatros, visite novos museus.

Mude.

Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light, mais prazeroso,
mais digno, mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.

Seja criativo.

E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.

Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.

Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já
conhecidas, mas não é isso o que importa.

O mais importante é a mudança,
o movimento, o dinamismo, a energia.

Só o que está morto não muda!

Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco,
sem o qual a vida não vale a pena!!!
Lindo não?

Duas coisas saltam-me aos olhos neste poema. Primeiro, por ele em si. Um verdadeiro guia, não único, para a vida, que é uma só, como uma amiga diz. 2003 foi de fato um ano que muitas mudanças ocorreram na minha vida. Uma verdadeira guinada aconteceu. Saí dos becos e vielas de SP para parar nos pavilhões de uma universidade federal de RS. Então este poema traduz muito bem aquele ano, e o mais curioso e agradável era que eu tinha a ciência de que necessitava de mudanças, e passei a fazer as coisas simples que o poema sugeria, como andar em ruas diferentes, novos caminhos, novas amizades. Como se isto fosse apenas um começo para grandes mudanças posteriores.

Foi bacana regressar à favela e ouvir a rapazeada do Jabaquara falarem pros pivetes: "Aí, moleque, este aqui é um exemplo", "Este aqui é um vencedor, foi parar numa federal", "Estuda!". E, claro, que eu assumia esse papel diante de uma realidade onde é mais fácil buscar espelho num criminoso. Nem eu acreditava que teria este potencial. De fato, minha vida mudou, mas eu fui atrás da mudança. E isto que tento transmitir, captar e prosseguir a caminhada no estilo, hoje será melhor que ontem e pior que amanhã. O que eu mais gostava de ouvir dos meus parceiros era: "Quem diria, hein, CRUJ? Ano passado nóis tava no rolê, e hoje tu tá lá na PQP. Não vai esquecer dos humildes" hahaha. Como se fosse possível.

"O dinheiro tira o homem da miséria, mas não pode arrancar, de dentro dele, a favela." (Edi Rock)

Buenas, mas não era este o foco deste post. Eu havia dito que duas coisas me chamavam a atenção neste poema. A segunda é a confusão das autorias que este poema causou. Num primeiro momento, este poema chegou-me como de Clarice Lispector. Eu tinha adotado tanto este poema neste ano, que um belo dia eu peguei o microfone da aula de literatura do cursinho pré-vestibular e declamei. Depois, corrigiram-me. A real autoria deste poema seria de Edson Marques, um filósofo formado na USP. Mas, eu já vi vídeos e textos que atribuíam este texto ao Pedro Bial, também.

Até a FIAT caiu nesta lorota de Clarice Lispector. A origem da falsa autoria veiculada na internet não arrisco-me a dizer. Mas, a lorota foi tanta, que até o próprio filho da grandiosíssima escritora vendeu o poema por US$ 40 mil para uma empresa de publicidade produzir o filme de 25 anos da marca automotiva no Brasil. Eu imagino o Edson sentado na poltrona e, de repente, ele ouve o teu poema na TV. O autor entrou na justiça e desde a 1ª instância teve causa ganha.


E, semanas atrás, eu deparei com este poema, novamente atribuído a Lispector. Dessa vez, foi no saco de pão de uma padaria daqui do Cassino. Uma iniciativa legal, criativa e inteligente de divulgar textos bonitos, mas que requer cuidados, como em tudo nesta vida breve, para não cometer estes deslizes.

E você? Achava que era de quem este poema?

O que achou?

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