quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Uma história de cerveja

Tap House Pub, Hampton, VA, USA - 2007

Certa noite de domingo, sai em procura de um lanche na gelada cidade de Hampton, da conservadora Virginia. Fui ao pub preferido, mas lá fui informado que a cozinha já fechara. Era uma rua cheia de pubs, então saí e entrei no do lado e perguntei: 

- Do you have dinner?

A garçonete respondeu positivamente e me perguntou se eu queria, Yeah! Aguardava o cardápio, mas a mulher pegou um copo grande estreito que alargava na boca, se dirigiu a uma das várias bocas de chope e foi lentamente servindo, aguardava a espuma baixar, adicionava um pouco e assim até completar. Achei que era um pedido anterior ao meu. Mas, ela veio em minha direção, pôs o copo no bar.

- Enjoy it!

Comecei a dar risada, expliquei o que realmente queria, ela se divertiu explicou que a cozinha, assim como no Marker 20, estava fechada e acabei que jantei o chope. Mais tarde vim a descobrir que trata-se de um "pão líquido", então fazia sentido o acaso desta situação. Acredito que o motivo de tal desentendimento foram a pronúncia do chope ser semelhante a da janta em inglês e o sotaque estrangeiro de quem recém chegou à gringa.

Quem não comunica, se trumbica.

A história da cerveja se confunde com a história da humanidade. Está provado, desde o neolítico, que o homem trabalhava além do necessário para a ferramenta ser útil, logo havia reais chances do produto da fermentação alcoólica fazer parte desta inspiração. Assim, não se tem conhecimento exato da primeira cerveja produzida. Especula-se que há mais de 10 mil anos o processo de fermentação já era realizado pelos sucessores do Australopithecus. Entretanto, prova arqueológica concreta é proveniente da Mesopotâmia no quarto milênio a.C. Tanto as altas classes ocidentais, sumários, babilônios e egípcios, como os orientais, chineses e japoneses realizavam suas confraternizações regadas à cerveja ou sake. Sim, o saquê é uma bebida fermentada do arroz e não destilado como algumas casas publicam em seu cardápio. Na Grécia e na Roma, a preferência era o vinho, tutelado por Baco. Neste período a cerveja perde o status quo, passou a ser a bebida das classes baixas, típica dos povos bárbaros. Embora tenha perdido seu status, a fabricação da cerveja evoluiu durante o período grego e romano.

Alô, Teresinha!

Feminino, esta bebida não poderia ter outro gênero. Desde o princípio a mulher tem seu lugar nesta história. Acredita-se que ela surgiu acidentalmente, numa fabricação de um pão. Na Suméria, esta atividade era caseira e realizada pelas mulheres. Já os homens gozavam nas tabernas, que eram geridas por elas. Comiam e bebiam o produto das mulheres. Talvez a grife mais antiga deste líquido seja Siduri, uma famosa taberneira citada na Epopeia de Gilgamesh. O nome cerveja também tem origem feminina. A bebida horrível dos Germanos e dos Célticos, como Tácito classificou, passou a ser chamada de cervisia ou cerevisia em homenagem a Ceres, a deusa romana da agricultura e fertilidade. Também empresta o nome ao microorganismo de metabolismo anaeróbico facultativo, Saccharomyces cerevisiae, a levedura. Portanto, queria deixar o meu mais um: muito obrigado a vocês, mulheres do planeta Terra e suas ancestrais. Por mim, se expandiria para 365 dias, o dia da mulher.














Na era medieval, os mosteiros passaram a ser os centros cervejeiros que impulsionaram a produção e o consumo da cerveja. Ou seja, a taberna entrou nos mosteiros. Não à toa, a igreja destinou a três santos o papel de serem padroeiros, protetores da cerveja e dos cervejeiros, Santo Agostinho de Hippo, São Nicolau e São Lucas. Evidentemente, os plebeus não tinham acesso, não eram very important person (menção honrosa para o filme estrelado por Wagner Moura, VIPs, clique aqui para assistir ao teaser). A mulher, neste momento, ainda contribuía no fabrico da cerveja, porém em processos rústicos. As cozinheiras fabricavam o pão molhado e deve-se muito a essas guerreiras a popularização da cerveja em muitas zonas da Europa. Não raro, o povo preferia cerveja à água, pois, nesta época, as más condições sanitárias contribuíam para tal já que a produção da cerveja eliminava muitas das impurezas contidas na água. Especulo até que, neste momento, nasce o termo que tanto brindamos, Saúde. Entretanto, uma prática incorporada até hoje ganhou força nos mosteiros. O uso do lúpulo (Humulus lupulus) no fabrico da cerva foi por razões técnicas dos monges cervejeiros, pois além de tornar as cervejas mais frescas devido ao seu amargor natural, as ajudava a conservar, já que possui propriedades anti-sépticas. Os monges eram malandros, no período que eram obrigados a jejuarem, produziam uma cerveja mais agradável ao palato e mais nutritiva. Assim, driblavam a abstinência de ingerir sólidos. Há relatos de monges que eram autorizados a ingerirem cinco litros de cerveja por dia. Salve o papa! Os conventos mais antigos a iniciarem a produção de cerveja foram os de St. Gallen, na Suíça, e os alemães Weihenstephan e St. Emmeran. Os beneditinos de Weihenstephan foram os primeiros a receber, oficialmente, a autorização profissional para a fabricação e venda da cerveja, em 1040 d.C. Com todo este orgulho, esta é a cervejaria mais antiga do mundo ainda em funcionamento e hoje é conhecida, principalmente, como o Centro de Ensino da Tecnologia de Cervejaria da Universidade Técnica de Munique. Vale a pena dar uma conferida no website dos beneditinos, você pode conhecer um pouco mais da história, baixar o hino, e até se divertir com um jogo de abrir garrafas de cerveja. Mas, o que vale mesmo a pena, quando tiver a oportunidade, é apreciar uma Weihenstephan.


Apreciando o chope escuro de trigo da Weihenstephan, a cervejaria mais antiga do mundo em atividade (Tap House Pub, Hampton, VA, USA - 2007)


















Como reportei, os monges serviram de grande contribuição ao fabrico da cerveja. E parte disso, foi porque produziam cerveja com tudo que lhes vinham a mente. Esta prática não se limitava apenas aos monges e de fato, ingredientes estranhos aromatizavam as cervejas como, por exemplo, folhas de pinheiros, cerejas silvestres e ervas variadas. Seria proibido produzir cerveja sem cevada? Esta era a dúvida sobre a cerveja nesta época. Tanto que em 1516, surge o que chamo do acordo vigente mais antigo e popular do mundo, a lei da pureza, instituída pelo Duque Wilhelm IV da Baviera. A Reinheitsgebot tornou ilegal o uso de outros ingredientes no fabrico da cerveja que não fossem água, cevada e lúpulo. Vale ressaltar que nesta data havia a ignorância da levedura neste processo. Mas, o curioso que hoje revivemos a história. Pequenas cervejarias, muitas dotadas de alta tecnologia, reconstroem os sabores que os porões da igreja queimaram. Para sorte nossa e das pequenas a inquisição sofreu uma metamorfose e podemos ter acesso, embora quase que como hereges nesta atual política capitalista, aos mares nunca antes navegados por este Brasil. Hoje, uma cerveja artesanal é o oposto do marketing rotulado pelas primeiras grandes companhias de cervejarias do Brasil, de cervejas leves, geladas e refrescantes. Na verdade, por óbvias razões econômicas, as cervejarias nacionais alteraram a formulação, diminuíram a quantidade/qualidade dos maltes e botaram, literalmente, água no chope. Para mascarar o paladar, nada que uma anestesia nos botões gustatórios induzida pela baixa temperatura não resolva, afinal moramos num país tropical.

E, aqui está uma coisa que parece besta, mas é um barato. O encanto da zitologia medieval pode ser servida via uma cervejaria bacana que oferece cervejas dos mais variados estilos. Quem estiver pelo Cassino, sugiro o Monaghan's, na avenida Rio Grande, 288. Vida longa aos rapazes desta iniciativa! Em Porto Alegre, conheci recentemente o Parangolé, na rua Lima e Silva, 240, na cidade baixa. Além das cervejas, da boa música e da decoração, a capa do cardápio deles era um mini-vinil, um barato. E, na minha e da garoa terra, fiquei com uma baita vontade de visitar a Cervejaria Nacional, que conheci enquanto dedicava minhas pesquisas a este post. Evidentemente, pessoas feias nestas indicações não ocorrem, seja antes ou depois das cervejas. Mas, a bem da verdade é que… 

Eu vim aqui pra confundir e não para explicar!

Um brinde ao Chacrinha! 

Eu pretendo voltar a escrever de/com cerveja com vocês, claro! Até o próximo encontro! 

Prosit

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2 comentários:

  1. Eu já havia lido o novo texto ainda no 'backstage', li novamente. E de todos até agora é meu preferido. Salve os direitos iguais (!) e, em breve, os experimentos caseiros!

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